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Sêneca: a vida simples e feliz

Ser forte e feliz, apesar das adversidades. Este foi um dos ensinamentos que o filósofo estoico Sêneca nos deixou. Lúcio Aneu Sêneca nasceu no ano 4 a.C., em Córdoba, na Espanha, e faleceu no ano 65 d.C., em Roma. Em linhas gerais, para o estoicismo a ética é um pré-requisito para a felicidade.

A vida de Sêneca em Roma pode-se dizer que foi conturbada. Agripina, mãe de Nero, o escolheu para educar seu filho. No entanto, a certa altura, Nero enlouquece, mata a própria mãe, comete muitas barbaridades e condena Sêneca a cometer suicídio. Então, Sêneca corta os pulsos numa banheira com água quente.

Apesar das dificuldades enfrentadas ao longo da vida, sua capacidade de reflexão era altíssima. Deixou verdadeiros tesouros para a posteridade em suas obras, a maior parte estruturada em cartas. O foco deste artigo serão as cartas escritas a seu amigo Lucilio, ao seu irmão Galião e a São Paulo, cartas excepcionais focando a questão da felicidade.

Extraí 7 pontos dessas cartas, com reflexões que possibilitam a descoberta de um estilo de vida mais natural e mais feliz.

Ponto 1

“Devemos suportar com o espírito forte tudo o que, por lei universal, nos é dado a enfrentar” (trecho das cartas).

Para Sêneca, as adversidades existem, os problemas virão, mas você não pode abrir mão de ser uma pessoa feliz por causa disso. A tristeza e a alegria participam da felicidade. Ele dizia que devemos encontrar em nosso próprio coração um espaço sereno, silencioso,  que possa se abrigar, para além de tudo o que acontece do lado de fora. A isso os estoicos davam o nome de ataraxia.

Os elementos externos virão, mas eles só irão nos tocar até certa medida. Preciso preservar um espaço interno intocável pelas coisas externas; um ambiente onde eu possa me recolher, apesar de tudo fora continuar adverso. Essa ideia é importante num momento de crise como a que estamos passando com a pandemia.

Uma vida sem problemas é fantasia. Aceitar que os problemas fazem parte da vida, e construir um espaço interior para se preservar, de modo que a adversidade não roube sua paz. Para ser feliz é importante saber lidar com as adversidades e saber se distanciar delas, buscando um porto seguro interior.

Ponto 2 – Existe uma relação entre a felicidade e saber aproveitar o tempo, saber aproveitar a vida.

“Coloque entre os mais felizes aqueles que fizeram bom uso do tempo que lhes foi dado. Aprende a considerar cada dia como se fosse o último “.

Diante deste trecho retirado de uma das cartas, convido a uma reflexão: O que eu faria hoje se soubesse que vou morrer amanhã? Quem eu gostaria de ser? Deveríamos viver todos os dias tomando a morte por conselheira. Assim, todo dia seria especial. Para ter uma vida feliz, toda ela tem que ser válida. Não posso ser feliz só num momento, posso ser feliz sempre. A felicidade é uma questão interna. Também não posso dispersar o tempo, tempo é vida.

Ponto 3 – Devemos aprender a ser felizes para além das aparências.

Não vale a pena desperdiçar tempo fingindo ser feliz. Melhor aproveitar o tempo me esforçando para ser feliz de verdade. “Embora pareçam felizes aos outros, declaram eles mesmos que na verdade odeiam todas as ações de suas vidas” (trecho das cartas).

O importante é se perguntar o que de fato me faz feliz. Onde está minha felicidade? Não tente dar satisfação aos outros, a felicidade não é igual para todos, é uma questão individual. Portanto, não queira copiar a felicidade alheia, não perca tempo fingindo ser feliz e invista tempo na sua real felicidade.

Ponto 4 – Aprender a ser natural. Aprender a se identificar com as virtudes: bondade, justiça e amor. Você se sentirá compensado com essas experiências.

“A felicidade é, por isso, o que está coerente com a sua própria natureza, aquilo que não pode acontecer além de si.” (trecho das cartas). 

Uma vida feliz está associada à uma vida natural, ao homem natural. Quando os potenciais humanos de bondade, generosidade, paz e amor vem à tona, sentimo-nos bem. Essa é minha natureza. Ser quem somos nos faz sentir tranquilos, nos faz sentir bem. Em outras palavras, dá muito trabalho ser quem não somos, e nos causa muita dor.

Ponto 5 – Existe uma relação estreita entre a felicidade e a liberdade dos prazeres.

A felicidade não pode depender de elementos externos. Temos de aprender a nos satisfazer, encontrar no nosso coração uma forma de nutrir a felicidade por nós mesmos. “Eu também não creio que alguém possa viver feliz sem que viva de modo virtuoso. A virtude avalia o prazer antes de aceitá-lo, não o acolhe para simples deleite, ao contrário, fica feliz em fazer uso dele com moderação.” (trecho das cartas). 

Sêneca não se opõe a uma vida prazerosa, desde que seja você quem defina o prazer que quer. Não se deixe escravizar pelo prazer. Consuma tudo de bom da vida, sem ficar refém de nenhuma das coisas, sem ser consumido por elas.

Ponto 6 – Reflexões entre a felicidade e a nossa capacidade de viver uma vida menos egoísta.

Uma vida egoísta é uma vida infeliz. “Não se pode pensar que é possível ser feliz procurando a infelicidade alheia”. 

Desenvolver uma percepção de que o mal do outro não pode me beneficiar. Não podemos esquecer que nós, como humanidade, somos um corpo, e se somos um corpo, quando uma célula se prejudica, o corpo todo fica prejudicado. Não provocar a infelicidade alheia. O mal alheio não vai me beneficiar.

Ponto 7 – Relação entre a felicidade e a simplicidade.

“A vida feliz tem seu fundamento em uma ação simples e segura”. 

Se encontrei o espaço interior de realização, serenidade e paz, se tenho esse refúgio, provavelmente, se eu tiver uma casa grande ou pequena, me sentirei igualmente feliz. Pessoas que encontram o porto seguro dentro de si precisam de muito pouco do lado de fora, porque já tem dentro de si aquilo que as realiza. São pessoas que vivem muito bem, para além das circunstâncias.

O contrário também é verdadeiro. Quando a realização interna ainda não nasceu, não importa o que a pessoa adquira do lado de fora, ela continuará mal, por mais que tenha muitas coisas. Aprender a satisfazer-se com a sua própria condição. Olhar para o espelho e se sentir bem com o que vê. Respeitar, valorizar a sua condição de hoje, de agora.

A felicidade não é uma questão de ter muitas ou poucas posses. A felicidade é uma questão de satisfação interior, de pouca demanda daquilo que está fora de nós. Vale a pena lutar por uma vida mais confortável até o momento em que eu não me perca para tê-la, que isso não roube a minha felicidade. Não posso perder a mim mesmo. Não posso deixar de ser feliz para ter posses.

É fundamental aprender a viver com simplicidade para viver uma vida natural. Uma vida em que encontro realização íntima, em que respeito a minha condição humana, uma vida de valores, de dignidade.

Professora Kelly Aguiar
Imagem: Google Images

Este artigo foi escrito com base na palestra ministra pela professora voluntária da Nova Acrópole Kelly Aguiar, durante o ciclo de palestras promovido em comemoração ao Dia Mundial da Filosofia. O evento ocorreu no período de 16 a 21 de novembro através do Youtube da Nova Acrópole.

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